terça-feira, 9 de maio de 2017

Aula teórica 9- Bases da Epidemiologia e avaliação de doenças

Epidemiologia é o "estudo das epidemias e dos fatores que as influenciam", ou, em uma conceituação mais complexa, é o "estudo de populações de patógenos em populações de hospedeiros e da doença resultante desta interação, sob a influência do ambiente e a interferência humana.  
Mas o que é uma epidemia ? Epidemia refere-se ao "aumento da doença numa população de plantas em intensidade e/ou extensão, isto é, um aumento na incidência-severidade e/ou um aumento na área geográfica ocupada pela doença”.
Apesar da definição de epidemia considerar somente o aumento na intensidade da doença, a epidemiologia como ciência estuda não somente doenças que aumentam como doenças que diminuem, seja em intensidade ou extensão.
O termo epidemia poliética caracteriza aquelas epidemias que necessitam de anos para mostrar significativo aumento na intensidade da doença. O termo pandemia caracteriza aquelas epidemias que ocupam uma área extremamente grande, de tamanho quase continental. Endemia caracteriza uma doença sempre presente numa determinada área, sem estar em expansão. Apesar dessas definições, epidemia não é o oposto de endemia, pois não existe uma doença completamente endêmica de um lado e uma doença completamente epidêmica de outro. Endemia e epidemia se misturam, exibindo uma variação contínua entre os extremos. Assim, uma doença endêmica, por fatores como modificação momentânea do microclima, pode tornar-se epidêmica, vindo a afetar muitos indivíduos, com grande intensidade, numa determinada área e num determinado tempo. Este fenômeno é referido como sendo um surto epidêmico de uma doença normalmente endêmica e, caso ocorra periodicamente, é chamado de epidemia cíclica.
Muitas epidemias são localizadas e causam perdas pequenas a moderadas. Algumas epidemias são mantidas sob controle naturalmente, por exemplo, por mudanças nas condições ambientais. Outras são mantidas sob controle por pulverizações com agroquímicos e outras medidas de controle. Ocasionalmente, entretanto, algumas epidemias surgem repentinamente, escapam ao controle e tornam-se amplamente dispersas ou severas em algumas espécies de plantas particulares.
A epidemiologia, como a maioria das ciências, apresenta duas faces distintas que, apesar disso, se complementam: a face acadêmica e a face aplicada. A primeira tem por objetivo uma melhor compreensão da estrutura e comportamento das doenças no campo e a segunda, baseando-se na primeira, tem por principal objetivo a otimização do controle de doenças. Uma melhor compreensão da estrutura e comportamento das doenças é fundamental, mas o grande desenvolvimento da epidemiologia nos últimos anos deveu-se, sem dúvida, às possibilidades de seu uso na otimização do controle de doenças. Nesse contexto, a epidemiologia tem como principais objetivos:
a) estudar a evolução das doenças em populações do hospedeiro;  

b)  avaliar os prejuízos absolutos e relativos causados pelas doenças nas culturas;  

c)  avaliar os efeitos simples e as interações entre resistência do hospedeiro, medidas sanitárias, uso de fungicidas e outras medidas de controle das doenças;  

d)  avaliar a eficiência técnica e econômica das medidas de controle em cada etapa sobre os agroecossistemas;  

e) estabelecer estratégias de controle das doenças e aperfeiçoá-las para a proteção das culturas.


ELEMENTOS DE UMA EPIDEMIA

Para uma doença de planta se desenvolver em proporções epidêmicas, é necessário que ocorra uma perfeita interação entre uma população de plantas suscetíveis, uma população de patógenos virulentos e agressivos, sob condições ambientais favoráveis. Qualquer modificação em um desses fatores provocará uma redução na intensidade da doença ou de sua taxa de desenvolvimento.
O homem pode auxiliar no início e no desenvolvimento de epidemias através de suas atividades. No entanto, mais frequentemente a interferência humana pode paralisar ou retardar o início e desenvolvimento de epidemias pelo uso de medidas apropriadas de controle. Para descrever a interação dos componentes de epidemias de doenças de plantas, o triângulo da doença, que descreve a interação de componentes da doença, necessita ser expandido para incluir a influência do tempo e do homem. A quantidade de cada um dos três componentes da doença e suas interações no desenvolvimento da doença são influenciados por um quarto componente: o tempo.
A quantidade de doença é afetada pelo ponto específico em tempo no qual um evento particular ocorre no desenvolvimento da doença e a duração de tempo desse evento. O efeito do tempo no progresso da doença torna-se aparente quando se considera a importância da época do ano (isto é, as condições climáticas e o estádio de crescimento quando o hospedeiro e o patógeno podem coexistir), a duração e a frequência de temperatura e pluviosidade favorável, o tempo de aparecimento dos vetores, a duração do ciclo de infecção de uma doença particular, etc. Se os quatro componentes do tetraedro da doença pudessem ser quantificados, o volume do tetraedro seria proporcional à quantidade de doença em uma planta ou numa população de plantas.
O desenvolvimento de doenças em plantas cultivadas é também grandemente afetado por um quinto componente: o homem. A interferência humana pode afetar o tipo de planta desenvolvida numa determinada área, o grau de resistência da planta, a época de plantio e a densidade de plantas cultivadas. Pela resistência de determinadas plantas que cultiva, o homem também determina quais patógenos e raças patogênicas poderiam predominar. Pelas práticas culturais, de controle químico e biológico utilizadas, o homem afeta a quantidade de inóculo primário e secundário disponível para atacar plantas. Ele também modifica o efeito do ambiente sobre o desenvolvimento da doença pelo retardo ou antecipação do plantio ou colheita, pelo plantio em covas altas ou maior espaçamento, pela proteção da superfície de plantas com químicos antes das chuvas e pelo controle da umidade em áreas destinadas ao armazenamento dos produtos. O período de atividade no desenvolvimento e proteção das plantas pode afetar várias combinações desses componentes a um considerável grau, afetando grandemente a quantidade de doenças em plantas individuais e em populações de plantas.
O diagrama esquemático das interrelações dos fatores envolvidos em epidemias de doenças de plantas está representado na Figura 1. Hospedeiro, patógeno e ambiente são representados por cada lado de um triângulo, o tempo é representado por uma linha perpendicular partindo do centro do triângulo e o homem como o pico do tetraedro, no qual a base é o triângulo e a altura é o comprimento de tempo. Neste sentido, o homem interage bem como é influenciado por cada um dos outros quatro componentes de uma epidemia e, portanto, incrementa ou decresce a magnitude da epidemia.



Figura 1. Diagrama esquemático das inter-relações dos fatores envolvidos em epidemias de doenças de plantas [adaptado de Agrios (1997)]

CURVAS DE PROGRESSO E CLASSIFICAÇÃO DE DOENÇAS

Curva de Progresso da Doença

A curva de progresso da doença, usualmente expressa pela plotagem da proporção de doença versus o tempo, é a melhor representação de uma epidemia. Através dela, interações entre patógeno, hospedeiro e ambiente podem ser caracterizadas, estratégias de controle avaliadas, níveis futuros de doença previstos e simuladores verificados. Curvas de progresso da doença podem ser construídas para qualquer patossistema: o hospedeiro pode ser anual, perene ou semi-perene; de origem tropical ou temperada; o patógeno pode seu um fungo (Figura 4.a), uma bactéria (Figura 4.b), um vírus ou qualquer outro agente causal; a epidemia pode ser de curta, média ou longa duração; a área na qual a doença está ocorrendo pode ser desde uma pequena parcela experimental até um continente inteiro. Independentemente da situação considerada, vários parâmetros importantes da curva de progresso da doença podem ser caracterizados, em que se destacam: época de início da epidemia (t0), quantidade de inóculo inicial (y0), taxa de aumento da doença (r), forma e área abaixo da curva de progresso da doença, quantidades máxima (ymax) e final (yf) de doença e duração da epidemia.




Classificação Epidemiológica de Doenças


A teoria da classificação epidemiológica de doenças, desenvolvida por Vanderplank em 1963 e utilizada até hoje, é baseada na analogia entre crescimento de capital (dinheiro) e crescimento de doença. Dois tipos de crescimento de capital podem ser considerados: a juros simples e a juros compostos. Vejamos um exemplo na Tabela 2, no qual dispomos de um capital inicial (y0) de R$ 100,00 e uma taxa de rendimento mensal de 10% (= 0,1).



Na aplicação de capital a juros simples, juros ganhos não rendem novos juros, enquanto na aplicação a juros compostos, juros ganhos rendem novos juros.
Numa abordagem epidemiológica, taxas de juros tornam-se taxas de infecção e capital torna-se doença, sendo caracterizados dois grupos: doenças de juros simples e doenças de juros compostos.
No caso de doenças de juros simples, também denominadas doenças monocíclicas, plantas infectadas durante o ciclo da cultura não servirão de fonte de inóculo para novas infecções durante o mesmo ciclo. É o caso típico da murcha-de-fusário do tomateiro, cujo agente causal (Fusarium oxysporum f.sp. lycopersici) coloniza principalmente o interior do xilema das plantas infectadas. O aumento gradativo do número de plantas doentes durante o ciclo da cultura não é devido, primariamente, à movimentação do patógeno a partir de plantas doentes a novos sítios de infecção e, sim, ao inóculo original, no caso da doença citada anteriormente, devido a clamidósporos previamente existentes no solo.
No caso de doenças de juros compostos, também denominadas doenças policíclicas, plantas infectadas durante o ciclo da cultura servirão de fonte de inóculo para novas infecções durante o mesmo ciclo. É o caso típico da queima das folhas do inhame, cujo agente causal (Curvularia eragrostidis ), em condições favoráveis, pode produzir uma geração a cada 15 dias. Essa situação é análoga ao crescimento de capital a juros compostos, ou seja, plantas doentes rendem novas plantas doentes durante o ciclo da cultura. Para que isto ocorra, está implícita uma movimentação do patógenos a partir de plantas doentes em direção a novos sítios de infecção.

Para o caso das doenças de juros simples, considerando que plantas doentes (ou lesões) não dão origem a novas plantas doentes (ou novas lesões) no mesmo ciclo da cultura, a velocidade de aumento da doença não tem qualquer relação com a quantidade de doença em cada instante. Portanto, como discutido anteriormente, o aumento gradativo do número de plantas doentes durante o ciclo da cultura é função do inóculo original previamente existente. Na maioria dos casos, a quantidade de inóculo existente é desconhecida. Entretanto, por conveniência é considerada constante durante cada período de cultivo. A fração de plantas que se torna doente (y) depende da frequência de contatos efetivos entre hospedeiro e patógeno (inóculo original), sendo contato efetivo definido como aquele contato que leva a doença. Essa cinética de crescimento é expressa matematicamente pela equação diferencial:


dy/dt = r.y

onde é a quantidade de doença e a taxa de infecção. A integração dessa equação será:

y = y0 expr.t

onde y0 é a quantidade de doença no tempo t0 . A curva descrita por essa equação tem a forma típica de J, sendo conhecida como curva exponencial (Figura 5).
Os modelos de crescimento linear e exponencial, na maioria das vezes, não representam com precisão o crescimento da doença em condições naturais. Em pequenas quantidades de doença, esses modelos ficam próximo da realidade. Entretanto, à medida que a quantidade de doença aumenta, se eleva também a diferença entre o modelo e a realidade. Um dos principais fatores para que isso ocorra é que tanto os modelos lineares quanto exponenciais permitem o crescimento da quantidade de doença até o infinito, o que não ocorre em nenhum processo biológico. Um fator de correção torna-se necessário para que reduza a velocidade de crescimento da doença proporcionalmente à diminuição da oferta de tecido sadio. Portanto, a equação de juros simples pode ser alterada para:

dy/dt = Q.R.(1-y)

onde (1 - y) representa a quantidade de tecido sadio (y, neste contexto, é sempre expresso em proporção de doença). A integração dessa equação produz:

ln[1/(1-y)] = ln[1/(1-y 0)] + Q.R.t

A curva descrita por essa equação é conhecida como curva monomolecular (Figura 5).

Pelo mesmo raciocínio anterior, a equação de juros compostos pode ser alterada para:

dy/dt = r.y.(1 - y)

onde (1 - y) representa a quantidade de tecido sadio. A integração dessa equação produz:

ln[y/(1-y)] = ln [y 0/(1-y0)] + r.t


A curva descrita por essa equação tem a forma de S, sendo conhecida como curva logística (Figura 5).



Nenhum comentário:

Postar um comentário