sábado, 27 de maio de 2017

Aula 10- Princípios gerais de controle

O controle de doenças de plantas é o mais importante objetivo prático da Fitopatologia, uma vez que sem controle podem ocorrer enormes prejuízos. A eficiência produtiva tem sido a meta insistentemente procurada pelo homem na sua luta pela sobrevivência. Dessa busca incessante decorrem, paradoxalmente, muitos dos atuais problemas fitopatológicos. Variedades de plantas continuamente selecionadas para atender às exigências de produção, comércio e consumo aliam, muitas vezes, grande vulnerabilidade aos agentes fitopatogênicos. Técnicas culturais, como densidade de plantio, monocultura baseada em uniformidade genética, adubação, mecanização, irrigação, etc., necessárias para garantir alta produtividade, frequentemente favorecem a ocorrência de doenças. Contudo, nem essas variedades, nem essas atividades podem ser drasticamente modificadas sem risco de diminuir a eficiência produtiva. Esta é a razão porque o controle de doenças assume importância fundamental.

CONCEITOS DE CONTROLE

Desde seus primórdios, a Fitopatologia preocupou-se em enfatizar a conotação econômica do controle das doenças. Assim, o controle foi definido como a “prevenção dos prejuízos de uma doença" (Whetzel et al., 1925), sendo admitido em graus variáveis (parcial, lucrativo, completo, absoluto, etc.) mas “aceito como válido, para fins práticos, somente quando lucrativo” (Whetzel,
1929). Este ponto de vista é aceito e compartilhado generalizadamente pelos fitopatologistas. Fawcetti & Lee (1926), por exemplo, já naquela época, afirmavam que “na prevenção e no tratamento de doenças deviam ser sempre considerados a eficiência dos métodos e o custo dos tratamentos, sendo óbvio que os métodos empregados deveriam custar menos que os prejuízos ocasionados”.
Entretanto, o controle de doenças de plantas só passou a ser racionalmente cogitado a partir dos conhecimentos gerados pelo desenvolvimento da Fitopatologia como ciência biológica. Portanto, numa concepção biológica, controle pode ser definido como a “redução na incidência ou severidade da doença” (National Research Council, 1968). Essa conotação biológica é de fundamental importância, pois dificilmente as doenças podem ser controladas com eficiência sem o conhecimento adequado de sua etiologia, das condições climáticas e culturais que as favorecem e das características do ciclo das relações patógeno hospedeiro, além da eficiência dos métodos de controle disponíveis. As conceituações econômica e biológica estão intimamente relacionadas, pois a prevenção da doença leva à diminuição dos danos (reduções do retorno e/ou qualidade da produção) e, eventualmente, das perdas (reduções do retorno financeiro por unidade de área cultivada). Em vista disso e pelo fato do dano ser uma função epidemiológica, embora doenças possam ser controladas em hospedeiros individuais, o controle de doenças de plantas é um problema essencialmente populacional.

OS PRINCÍPIOS DE GERAIS DE CONTROLE E O TRIÂNGULO DA DOENÇA

Num esforço de sistematização dos métodos de controle até então conhecidos, Whetzel et al. (1925) e Whetzel (1929) agruparam-nos em quatro

princípios biológicos gerais: exclusão – prevenção da entrada de um patógeno numa área ainda não infestada; erradicação - eliminação do patógeno de uma área em que foi introduzido; proteção - interposição de uma barreira protetora entre as partes suscetíveis da planta e o inóculo do patógeno, antes de ocorrer a deposição; imunização - desenvolvimento de plantas resistentes ou imunes ou, ainda, desenvolvimento, por meios naturais ou artificiais, de uma população de plantas imunes ou altamente resistentes, em uma área infestada com o patógeno. Com o tempo, a esses princípios foi acrescentado o da terapia, que visa restabelecer a sanidade de uma planta com a qual o patógeno já estabelecera uma íntima relação parasítica. Esses princípios podem ser enunciados como passos sequenciais lógicos no controle de doenças de plantas, levando em consideração o ciclo das relações patógeno-hospedeiro em uma determinada área geográfica. Assim, a exclusão interfere na fase de disseminação, a erradicação na fonte de inóculo e na sobrevivência, a proteção na inoculação e na germinação, a imunização, na penetração e colonização e a terapia, na colonização e na reprodução Fig 1.

Figura 1. Fases do ciclo das relações patógeno-hospedeiro onde atuam os princípios de controle de doenças de Whetzel.

Os princípios de Whetzel, abordando os problemas de controle numa visão bidimensional do ciclo das relações patógeno-hospedeiro, não poderiam abranger adequadamente todas as medidas de controle. A ação do homem sobre o patógeno (exclusão e erradicação) e sobre o hospedeiro (proteção, imunização e terapia) estava bem clara. Entretanto, o fator ambiente, um dos vértices do triângulo da doença, foi deixado de lado. Em vista disto, Marchionatto (1949) sugere que medidas de controle baseadas em modificações do ambiente obedecem ao princípio da regulação. De fato, modificações da umidade, temperatura e luminosidade do ambiente, de reação e propriedades do solo e da composição do ar, não se encaixam adequadamente dentro do princípio de proteção, onde usualmente são colocadas, em livros textos de Fitopatologia. Outras medidas de controle, também não satisfatoriamente ajustáveis aos princípios de Whetzel, são aqueles referentes à escolha da área geográfica, local e época de plantio, profundidade de semeadura, precocidade das variedades, etc. Tais medidas são atualmente agrupadas no princípio da evasão, que pode ser definida como a prevenção da doença pelo plantio em épocas ou áreas quando ou onde o inóculo é ineficiente, raro ou ausente. A evasão baseia-se, portanto, em táticas de fuga dirigidas contra o patógeno e/ou contra o ambiente favorável ao desenvolvimento da doença.
regulação e a evasão tornam os princípios de controle mais abrangentes, permitindo uma visão mais global da natureza da doença e melhorando a compreensão de que qualquer alteração nos componentes do triângulo da doença, isoladamente ou em conjunto, modifica o seu livre curso (Fig. 2).

Figura 2. Indicação da atuação dos princípios gerais de controle nos componentes do triângulo da doença.


MEDIDAS DE CONTROLE BASEADAS NA EVASÃO
Medidas de controle baseadas na evasão visam a prevenção da doença pela fuga em relação ao patógeno e/ou às condições ambientais mais favoráveis ao seu desenvolvimento. Subentende o uso de uma planta suscetível numa situação em que o triângulo da doença não se configura adequadamente pela falta de coincidência, no tempo e/ou no espaço, dos três fatores que o compõem: tecido suscetível, patógeno agressivo/virulento e ambiente favorável. Na ausência de variedades imunes ou resistentes, a evasão é a primeira opção de controle de doenças de plantas, seja em grandes áreas, seja em canteiro de semeadura.
As principais medidas evasivas são: escolha de áreas geográficas, escolha do local de plantio dentro de uma área e modificação de práticas culturais. Tais medidas de controle levam em consideração a ausência ou presença do patógeno, a quantidade relativa do inóculo e as condições ambientais mais ou menos favoráveis; afetam, assim, os parâmetros epidemiológicos y0 (inóculo
inicial), (taxa de infecção) e/ou (período de exposição das plantas à infecção).
A escolha de áreas geográficas desfavoráveis ao desenvolvimento do mal das folhas da seringueira, causada por Microcyclus ulei, tem viabilizado a heveacultura no Centro-Sul do Brasil, em maciços florestais artificiais, compostos por plantas suscetíveis, sem necessidade de controle químico, uma vez que nessa região a doença não atinge níveis prejudiciais. Na Amazônia, tentativa semelhante, no passado, redundou em histórico fracasso, devido ao ambiente extremamente favorável à doença e à inviabilidade do controle químico.
A escolha de áreas geográficas, seja para fugir de patógenos, seja para fugir de condições predisponentes à ocorrência de epidemias, é um método de controle ainda amplamente explorável num país extenso quanto o Brasil, que apresenta enormes variações climáticas regionais.

MEDIDAS DE CONTROLE BASEADAS NA EXCLUSÃO

A prevenção da entrada e estabelecimento de um patógeno em uma área isenta é feita através de medidas quarentenárias, consolidadas em legislações fitossanitárias promulgadas por órgãos governamentais, nacionais e internacionais. Essas medidas são executadas através de proibição, fiscalização interceptação do trânsito de plantas ou produtos vegetais; dirigem-se, no geral, a doenças com alto potencial destrutivo em culturas de grande importância econômica para o país. Modernamente, com as facilidades dos meios de transporte e o aumento de trânsito e intercâmbio internacional, medidas de exclusão são cada vez mais vulneráveis.
A eficiência das medidas de exclusão está relacionada com a capacidade de disseminação do patógeno e com a distância do patógeno (ou da fonte de inóculo) em relação à área geográfica que se quer livre da doença. Compara-se as tentativas de exclusão do cancro cítrico (Xanthomonas campestris pv. citri) e da ferrugem do cafeeiro (Hemileia vastatrix) no Brasil. O patógeno do cancro cítrico, apesar de constatado em 1957 e de ter conseguido ultrapassar sucessivamente as barreiras de exclusão, territorialmente cada vez mais restritas, ainda hoje continua sendo excluída de amplas zonas citrícolas do Estado de São Paulo, devido à sua limitada “autonomia de vôo”. No caso da ferrugem do cafeeiro, no entanto, sua grande capacidade de disseminação impossibilitou quaisquer medidas de exclusão, que ficaram apenas em cogitação (constatada a doença em 1970, na Bahia, já se encontrava amplamente disseminada nos cafezais brasileiros, exceto nos de
Pernambuco e Ceará, em 1974). Por outro lado, a nível internacional, ambos venceram distâncias transoceânicas e, apesar da menor “autonomia de vôo”, o agente do cancro cítrico chegou primeiro em nossas plantações, provavelmente devido à nterferência humana.
Exclusão, como todos os princípios de controle, pode ter sentido absoluto e relativo. Em escala internacional, interestadual ou mesmo de lavouras, deve-se procurar o absoluto, mas ao nível do agricultor, mesmo que incompleta, a exclusão tem o seu valor, principalmente quando se trata de doenças cujos patógenos têm dificuldades de disseminação dentro do campo. O efeito de todas as medidas de exclusão reflete-se epidemiologicamente na redução do inóculo inicial y0 e, portanto, no atraso do desenvolvimento da epidemia.

MEDIDAS DE CONTROLE BASEADAS NA ERRADICAÇÃO

A erradicação, vista como eliminação completa de um patógeno de uma região, só é tecnicamente possível quando o patógeno tem restrito espectro de hospedeiros e baixa capacidade de disseminação e economicamente viável quando a presença do patógeno restringe-se a uma área geográfica relativamente insignificante. Nessas considerações está implícito o fato da erradicação ser um complemento da exclusão. Erradica-se o patógeno de uma região para evitar sua disseminação para outras. É o caso do cancro cítrico, que se tenta erradicar das áreas onde ocorre para evitar sua disseminação para áreas essencialmente citrícolas de São Paulo. Apesar da baixa capacidade de disseminação de Xanthomonas campestris pv. citri, a morosidade na erradicação completa pode tornar inócuas as medidas de fiscalização do trânsito.
Medidas de erradicação, em âmbito restrito, incluem: eliminação de plantas ou partes vegetais doentes, eliminação de hospedeiros selvagens, aradura profunda do solo, eliminação dos restos de cultura, destruição de plantas doentes, desinfestação física e química dos solos, tratamento de sementes e rotação de cultura. O alcance dessas medidas é geralmente muito limitado porque dificilmente eliminam completamente o patógeno. Funcionam na medida em que são capazes de diminuir a quantidade de inóculo da área e na medida em que são acompanhadas por outros métodos de controle que complementam sua ação. Como, do ponto de vista epidemiológico, atuam essencialmente reduzindo o inóculo inicial y0, medidas de erradicação somente atrasam o desenvolvimento de epidemias e apresentam efeitos mais pronunciados sobre doenças cujos patógenos apresentam baixa taxa de disseminação.

MEDIDAS DE CONTROLE BASEADAS NA PROTEÇÃO

A proteção, prevenção do contato direto do patógeno com o hospedeiro, é comumente obtido pela aplicação de fungicidas e bactericidas, visando diretamente os patógenos, ou de inseticidas, visando diretamente os vetores. O emprego de viricidas é, atualmente, apenas uma cogitação experimental. É possivelmente, o princípio de controle que experimentou os maiores impactos do desenvolvimento tecnológico, desde a descoberta da calda bordalesa até a dos inseticidas e fungicidas sistêmicos. Em muitas culturas, principalmente em se tratando de cultivares refinadas mas, por isso mesmo, apresentando alta suscetibilidade a doenças, proteção química torna-se uma medida indispensável de controle, apesar de nem sempre suficientemente eficaz. Nesses asos, é o princípio de controle que mais onera o custo de produção.
A eficiência da proteção depende das características inerentes do produto protetor bem como da estratégia de aplicação. Idealmente, o produto deve ter alta toxidez inerente contra o patógeno e grande estabilidade, mesmo nas condições mais adversas de clima, sem, contudo, provocar danos à planta ou desencadear desequilíbrio biológico. O método, à época, a dose e o número de aplicações, bem como os produtos adequados, são aspectos que devem ser considerados nos programas de proteção. O efeito epidemiológico envolvido é a redução da taxa de desenvolvimento da doença.


MEDIDAS DE CONTROLE BASEADAS NA IMUNIZAÇÃO

Na ausência de barreiras protetoras de controle utilizadas pelo homem, ou vencidas estas, o patógeno enfrenta, por parte da planta hospedeira, resistência maior ou menor ao seu desenvolvimento, já antes da penetração, na penetração, nas fases subsequentes do processo doença, na extensão dos tecidos afetados e na produção do inóculo. Mesmo que essa resistência seja baixa, resta ainda a possibilidade de os danos nas culturas afetadas serem pouco pronunciadas. É na exploração dessas características, naturalmente presentes nas populações vegetais, que se fundamenta o princípio da imunização genética, resultando, então, no uso de variedades imunes, resistentes e tolerantes. Esse método de controle é o ideal pois, em sendo funcional, não onera diretamente o custo de produção e pode até dispensar outras medidas de controle. Entretanto, muitas vezes implica em sacrifício de produtividade e/ou valor comercial do produto. Atualmente, concretiza-se a possibilidade de imunização de plantas através de substâncias químicas (imunização química) e de proteção cruzada ou pré-imunização (imunização
biológica). A idéia de imunizar as plantas quimicamente, pela introdução de substâncias tóxicas, é velha, mas só recentemente, com o advento dos fungicidas sistêmicos, está se tornando viável do ponto de vista prático: a planta tratada com o produto sistêmico torna-se resistente porque em seus tecidos se apresenta uma concentração adequada do fungicida ou porque ele próprio ou algum seu derivado induz a planta a produzir substâncias tóxicas ao patógeno. Não se descarta a possibilidade de que mesmo fungicidas convencionais tenham atuação semelhante, desencadeando a produção de compostos fenólicos e fitoalexinas pelas plantas tratadas. O mais notável exemplo de pré-imunização ou proteção cruzada, é o do limão galego propositalmente inoculado com estirpe fraca do Vírus da Tristeza dos Citros, que protege a planta contra as estirpes fortes do mesmo vírus. Assim, produções comerciais dessa variedade cítrica têm sido possíveis, mesmo sendo suscetível a um vírus amplamente disseminado e eficientemente transmitido pelo pulgão preto, Toxoptera citricidus.
O efeito epidemiológico das medidas de imunização é predominantemente a redução do inóculo inicial y0 e da taxa de desenvolvimento da doença. No caso de resistência genética vertical e de fungicidas altamente específicos, vulneráveis ao surgimento de mutantes resistentes do patógeno, o efeito pode ser predominantemente somente sobre y0. No caso de variedades tolerantes, o efeito epidemiológico não se faz sentir pronunciadamente sobre nenhum dos dois componentes.

MÉTODOS DE CONTROLE BASEADOSNA TERAPIA

Uma vez a planta já doente, o último princípio de que se pode lançar mão é a terapia ou cura, isto é, recuperação da saúde mediante a eliminação do patógeno infectante ou proporcionando condições favoráveis para a reação do hospedeiro. A terapia é, ainda, apesar da descoberta dos quimioterápicos, de aplicação muito restrita em Fitopatologia, por suas limitações técnico-econômicas, contrapondo-se ao uso mais generalizado de todos os outros princípios que, no conjunto, recebem a denominação de prevenção ou profilaxia. No controle de doenças de plantas é ainda válido o ditado “melhor prevenir do que remediar”.

São exemplos de métodos terápicos: uso de fungicidas sistêmicos e, no caso de algumas doenças, como os oídios, também de fungicidas convencionais, com a consequente recuperação da planta doente; cirurgia de lesões em troncos de árvores, como no caso da gomose dos citros, ou de ramos afetados, como no caso da seca da mangueira ou da rubelose dos citros; tratamento térmico dos toletes da cana-de-açúcar, visando a eliminação do patógeno do raquitismo da soqueira.

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